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15
Mar15

Leviatã

por Victor Tavares Morais

Uma nota prévia ao leitor, este texto como pode sugerir o título não é uma crítica cinematográfica ao recente filme russo, é sobre a geopolítica, uma ‘brent-science’, há quem diga, um ecossistema habitado por criaturas das profundezas com semelhanças ao monstro marinho descrito no livro de Jó.

Alguns líderes da EU, cegos pelos resultados eleitorais na Grécia e pelas diatribes do novo Governo, consideram a insinuação de uma aproximação da Grécia à Rússia, uma ameaça inconsequente, e uma provocação gratuita. E Putin, o que tem para conversar com Tsipras?

A Rússia desenvolveu no início do século um conceito estratégico, denominado de “Grande Europa”, que desenhava um vasto espaço europeu de alianças que se estendia de Lisboa a Vladivostok. Um espaço que devia integrar dois blocos: um bloco ocidental, a União Europeia liderado pela Alemanha; e o bloco oriental, obviamente liderado pela Rússia. Putin concebeu conceptualmente o maior espaço de comércio do mundo, rico em recursos naturais a oriente e em ciência e tecnologia a ocidente.

Este conceito sustentava o reforço da influência russa na política de segurança e na economia da EU. E por contrapartida do gás russo, que circularia nas redes energéticas europeias, a Rússia receberia tecnologia que lhe daria condições para se afirmar a prazo como uma moderna economia – tudo isto num quadro de um crescente vazio norte-americano que se desenhava na Europa.

A ocidente a liderança nunca poderia vir de Bruxelas, que Moscovo desconsidera pela esquizofrenia crónica, mas a revelação desagradável dos últimos anos foi a incapacidade demonstrada por Berlim para liderar, conjuntamente com Moscovo, um projecto desta natureza.

A execução da estratégia russa corria devagar e com resistências diversas. Eis senão quando, no início de 2014, eclode a grave crise na Ucrânia. No ponto alto da crise, em Março de 2014, o ex-ministro grego da energia aproveita para anunciar um concurso internacional para o estudo de viabilidade do gasoduto do Mediterrâneo Oriental, solução que complementaria o “Corredor Sul”, TAP (Trans-Adriatic Pipeline) e o TANAP (Trans-Anantolian Gas Pipeline), corredor projectado para a importação do gás Azeri dos campos de Shah Deniz. O gasoduto do Mediterrâneo Oriental destina-se a transportar o gás de Israel e do Chipre para a Europa com entrada no continente pela Grécia, irá ligar o campo israelita off-shore de Leviathan à interconexão greco-italiana de Poisedon. O campo de gás de Leviathan, conjuntamente com Tamar, ambos no mediterrâneo oriental, são dois dos maiores campos de gás off-shore descobertos nos últimos 10 anos, com reservas estimadas de 530 bcm.

A ideia de exportar o gás de Israel para a Europa nasceu em 2012, quando os três países, Israel, Chipre e Grécia assinaram um acordo para promoverem a exportação do gás por via do gasoduto do Mediterrâneo Oriental. O gasoduto despertou de imediato o interesse da CE, e na fobia de diversificação do gás russo, o projecto foi classificado de “projecto de interesse comum”. Em Dezembro passado, os três ministros apresentaram o projecto ao novo vice-presidente da comissão, e responsável para a união energética, Maros Sefkovic, no intuito de convencerem a comissão a financiar este mega projecto.

Logo depois, em Janeiro, as eleições gregas ditam a uma mudança de Governo, que se apressa, por via do seu novo ministro da energia, a sinalizar uma possível sintonia como Moscovo – os alarmes ocidentais disparam – o Euro, a coesão da NATO, o desfecho das negociações do TTIP, e também a ligação energética ao sul da Europa, eram todos temas comprometidos.

Na energia, e à excepção de Shah Deniz, as alternativas mais fortes aos russos de fornecimento pelo sul estão por agora bloqueadas: a região do Norte de África, onde a Argélia resiste, contínua incendiada; o Irão está suspenso nas negociações sobre o programa nuclear; e o corredor do Levante está obstruído na Síria aos produtores do médio-oriente, para outras soluções de gasodutos terrestres.

Suspensa por resistência da UE a ligação da Rússia por gasoduto ao Sul da Europa, via South Stream, a Gazprom muda de estratégia, e redireciona o projecto para a Turquia. E agora, se a Europa se atrever a deixar cair a Grécia, pode conseguir a anuência desta para dominar a porta sul da Europa e bloquear as alternativas concorrentes.

A mesma Europa que diz não gostar do gás russo indexado ao petróleo, assistiu recentemente, pela primeira vez desde 2010, ao gás no mercado spot em Londres a cotar mais caro do que na Ásia.  A alternativa ao gás russo na Europa é, provavelmente: mais gás russo.

21
Mar14

O Grande Jogo

por Victor Tavares Morais

Nos últimos anos o Ocidente confronta-se com um adversário difícil e muito empenhado em ganhar posições no tabuleiro do Grande Jogo – o actual presidente russo, Vladimir Putin. A expressão “Grande Jogo” foi inicialmente atribuída ao escritor, espião e aventureiro inglês Arthur Conolly (1807-1842) para designar as rivalidades históricas dos impérios britânico e russo pelo controlo estratégico de várias regiões da Eurásia, que se estendia pela Ásia Central, Índia, Tibete incluindo também regiões do Cáucaso e do Irão. Vivemos agora tempos de reedição deste Grande Jogo, depois da Guerra Fria e da recuperação do caos resultante do desmoronamento da antiga URSS, tem sido a Eurásia, a Ásia Central, o Médio-Oriente e os Balcãs o tabuleiro de xadrez onde se jogam os principais interesses geoestratégicos das grandes potências mundiais (EUA, UE, Rússia e China). A questão de fundo é o acesso aos vastos recursos energéticos da região e o controlo dos corredores de acessos até ao centro da Europa. Mas a novidade do Grande Jogo é o alargamento ao Mediterrâneo, do Levante às portas do Mediterrâneo. Actualmente, face aos recentes desenvolvimentos na Ucrânia e à invasão da Crimeia, o mais desafiante é tentar perceber quais vão ser os próximos passos do actual presidente russo.

Este Putin que saiu das eleições de 2012 não é o Putin que o Ocidente conheceu em 2000? Quem é afinal este novo czar? Um ex-KGB em Dresden, ex-burocrata do governo regional de S. Petersburgo e autor de uma tese de doutoramento no Instituto Superior de Minas de S. Petersburgo, tese publicada três anos antes de se tornar o homem forte do Kremlin. Só o título da sua tese explica muito “The Strategic Planning of Regional Resources Under Formation of Market Relations”, os estudos e a história moldaram definitivamente a sua visão do papel da Rússia no mundo.

Nos anos 90, o economista e ex-primeiro-ministro russo, Yegor Gaidar confessou que foram os recursos naturais, nomeadamente a energia e em particular o petróleo, que na década de 70, aquando das subidas de preço por altura das duas crises energéticas, salvaram a URSS da queda prematura, não só a salvaram como permitiram uma desenfreada corrida ao armamento e a aventura no Afeganistão.

Porém, o que o actual líder deve recordar com profunda amargura é que, o mesmo petróleo que os tinha salvo, depois em 86, quando atingiu valores na ordem dos $10 bbl, condenou a URSS ao impiedoso colapso. Para Putin, não foram tanto os EUA de Ronald Reagan e a NATO que derrotaram a URSS, mas sim a Arábia Saudita, que deu o golpe de misericórdia quando em 85 aumentou significativamente a sua produção. Ele sabe que o regime russo depende fundamentalmente da energia, bem mais do petróleo do que do gás. É no quadro geoestratégia da energia que as jogadas de Putin devem ser lidas, o Mar Negro, a Crimeia e a Ucrânia são casas deste tabuleiro.

Os europeus temem represálias pelas sansões impostas na sequência do referendo na Crimeia, nomeadamente a interrupção do gás por parte da Rússia, mas a Gazprom sabe que não é avisado usar essa estratégia como factor de pressão sobre o seu principal cliente. Se esse fosse o caso, o impacto material estimado seria uma subida de preço spot do gás na ordem dos 30% a 50%.

Há quem, face a esta ameaça, nos EUA e na UE advogue o uso imediato da E-bomb (Energy bomb), i.e., a exportação de gás e petróleo dos EUA para a Europa, mas por agora, de nada mais serve este argumento que não seja pressionar a administração Obama para que conceda mais licenças de exportação de gás (6 já foram concedidas, mais 24 pedidos aguardam autorização do Department of Energy). O mais que ambicionam, as empresas de oil&gas e os políticos que em Washington tem defendido esta estratégia é encontrar mercados para o gás americano e ligar o preço nos EUA aos mercados internacionais, europeu e asiático, onde os preços são 2 a 3 vezes superiores. Infelizmente não será possível a curto-prazo, o início da exportação de LNG dos EUA, só será possível dentro de 2 anos, quando a 1ª carga de LNG sair do terminal de Sabine Pass no Luisiana – o mesmo tempo que os russos demorarão a construir o seu braço sul de abastecimento de gás à Europa, o South Stream.

A exportação de gás americano para a Europa, tem outra dificuldade, quem decide o destino do gás são as empresas privadas em função do preço e não os países. Portanto, e de momento, o gás não é uma arma eficaz, já o petróleo pode voltar a ser uma arma de destruição económica devastadora – uma redução de $10 por barril pode induzir uma perda anual de $40 mil milhões para os cofres russos.

A exportação de petróleo pelos EUA não é uma hipótese determinante, os EUA ainda são um importador líquido de petróleo e têm dos custos marginais de produção mais altos do mundo. O lógico seria uma subida da produção mundial de petróleo alinhada com a OPEC, todavia a Arábia Saudita pode não estar disponível hoje como esteve nos anos 80’s, ou talvez sim, como vingança pelo apoio russo ao regime Sírio. Quem desta vez parece querer ajudar aos intentos é o Iraque que no passado mês Fevereiro atingiu o máximo de produção registado desde 1979, ano em que Sadam subiu ao poder em Bagdad.

Contudo, os especialistas parecem concordar que um impacto significativo do preço do petróleo só pode ser conseguido com libertação imediata para o mercado de grandes quantidades, só possível se os EUA usarem os mais de 694 milhões de barris da sua reserva estratégica de petróleo (SPR). O primeiro ensaio foi feito na passada semana com a libertação de 5 milhões de barris da reserva estratégica de petróleo dos EUA, mas é ainda um sinal, manifestamente insuficiente para induzir a uma baixa significativa do preço.

Voltando à Rússia e a Vladimir Putin, este julga ter sob seu domínio as variáveis chave da equação, e não cairá na asneira de cortar voluntariamente o abastecimento de gás à Europa, poderá é acontecer por acções de sabotagem de nacionalistas ucranianos, o que será uma bênção para os potenciais concorrentes dos russos.

Neste Grande Jogo a Rússia sabia que inicialmente havia duas grandes ameaças à sua hegemonia no abastecimento de gás à Europa, e nenhuma era o Cáspio como a UE nos fez acreditar, eram o Norte de África e o Irão. A primeira, o Norte de África, tanto a UE como os EUA ajudaram a adiar, com as desastradas intervenções no Egipto e na Líbia, sobrou a Argélia. A segunda, o Irão, está por agora sob tutela do líder russo nas negociações com os norte-americanos, é portanto um aliado da Rússia. Apareceu depois uma terceira e uma quarta ameaça, que Putin tratou de não menosprezar, e que estenderam o Grande Jogo ao Mediterrâneo Oriental e ao Médio Oriente, mas aqui, por enquanto as ameaças ao seu império energético estão bloqueadas - outras contas, outra crónica.

Por agora, o novo czar está concentrado na Europa, bem no seu centro, para resolver um lance que tinha ficado em aberto: a tomada da Crimeia -  um objectivo realizado. Os próximos passos na Ucrânia são, muito provavelmente, no domínio económico, o controlo das infraestruturas de transporte de gás, e o protelar do investimento no shale gas, nas bacias de Olesska e de Yuzivska, esta segunda (a maior) na província de Donetsk, na parte oriental da Ucrânia.

O que se passa hoje na Crimeia e no resto da Ucrânia é um sobressalto do jogo, em que a acção mudou de quadrante no tabuleiro, transferindo-se da Síria e do Irão bem para o centro da Europa – mas é mesmo Grande Jogo – um jogo de tudo ou nada, em que o que interessa não se vê, está no subsolo.


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